Um encontro inusitado no presente/passado

Christina Aparecida Negro Silva
Diretora da EE Dr. Prudente

Jamais me esquecerei daquela tarde de verão…

Descia desanimado a rua que ladeia o rio Piracicaba, observando o triste fio d’água a tentar encobrir as pedras do Véu da Noiva, cachoeira sem água, ossatura de pedras brancas, consequência do excesso de produtos químicos nas águas do rio, quando, perto do Museu da Água, ouvi um farfalhar de folhas nas poucas árvores dali. Sem nem eu mesmo entender o porquê, desci o barranco e me encaminhei para onde o som do canto de um sabiá me indicava.

Momento estranho, as poucas árvores tornaram-se frondosas, o mormaço da tarde foi trocado por um frescor verdejante e vi, a poucos metros de mim, um menino que parecia procurar algo no chão, coberto de folhas secas e flores. Flores? Mesmo o rio, há pouco tímido em volume d’água, estava caudaloso e a linda cachoeira vertia feliz suas águas borbulhantes. O barulho de carros foi substituído por gorjeios de pássaros e aplausos de folhas à fresca brisa.

O menino parecia saído de um álbum antigo, trajava um uniforme escolar azul marinho com camisa branca. Camisa? Muito esquisito aquilo tudo, sem camiseta, tênis ou boné, o menino olhou-me chegando e disse – Ah, pensei que fosse ela. Ela? Quem seria?  Uma namoradinha, talvez. Com a curiosidade aguçada, perguntei: — Quem? Ele pousou seus olhos vívidos em mim, respondendo: — A FILHA DA FLORESTA! Eu a encontrei aqui, certa tarde, atraído pelo canto de um sabiá. Eu estava enlevado, quando senti a presença de alguém que me observava, assim como você fez há pouco. Então, eu me virei e a vi: uma linda moça de olhos claros, cabelos cor de mel, vestida de verde e sorrindo para mim. Antes que pudesse perguntar qualquer coisa, ela me disse:

Sou a FILHA DA FLORESTA, não te assustes! Minha mãe me protege, é ela quem me alimenta, pelas folhas de seu arvoredo se evapora tanta água, tanta, até que o ar se umedece e assim atrai as nuvens e as deixa tão pesadas que os ventos não as podem arrastar…Depois sob a copa protetora das árvores, esconde e guarda toda água que as nuvens derramaram e quando o sol vem, não as pode beber. Eis porque as fontes não param de jorrar…

Eu estava boquiaberto. Um menino vestido à antiga, saído de um tempo passado, contava uma história fantástica, com precisão descritiva de adulto. Não notando minha admiração, ele continuou sua narrativa. – Ela pediu minha ajuda! Como eu, um menino de dez anos, posso ajudá-la? Eu vim aqui hoje para que ela me esclareça isso…será que você pode me auxiliar a encontrar essa resposta? A FILHA DA FLORESTA ainda continuou me dizendo:

Eu sou a fonte – passo a vida inteira dando de beber a todos: aos homens, ao gado, aos passarinhos, às flores perfumosas, às hortaliças e às árvores boas que dão frutos. Sei que tu és amigo das plantas e agora que te desvendei meu segredo, que pedir-te que me ajudes, pois já sabes que a destruição das matas é a minha sentença de morte. Ora, a minha morte será a morte dos animais, das plantas, a desgraça do Homem. Ajude-me!

O menino continuou falando –Aproximei-me, mas antes que conseguisse tocá-la, ela sumiu, assim, por encanto. Apenas uma borbulhinha de água vi saindo debaixo da terra, bem aí onde você está, do seu lado direito – apontou ele para uma fontezinha que eu nem havia percebido antes. Sem saber o que pensar (nem sabia onde estava) naquele clima surreal, ouvi-me dizendo: a FILHA DA FLORESTA deu-lhe uma missão, você vai crescer, desenvolver seu conhecimento sobre Ecologia e deverá deixar registrado na História tudo que aprendeu como legado às futuras gerações. Tenho a convicção de que ela quis dizer-lhe isso ao pedir a sua ajuda, para que você oriente as pessoas para preservarem os mananciais, visando salvar o planeta da destruição que o próprio homem, por ignorância, está praticando. Quem sabe, um dia, você vai escrever sobre isso para ensinar as crianças sobre a importância da água, da floresta, da Natureza e …O menino sorria e, olhando para mim com real satisfação, disse: — Muito bem, Sílvio, agora você começou a entender.

Como ele sabia meu nome? Epa, que estranha sensação! Uma onda de calor, cheiro de poluição do rio, uma sonoridade moderna invadia agora aquele RECANTO TRANQUILO de segundos atrás. O menino sumira, onde estariam as flores perfumosas, o frescor do arvoredo, a fonte tímida a jorrar suas águas cristalinas? Em seu lugar, notei um pequeno e antigo livrinho. Ao ler o seu título na capa, realmente, entendi tudo!

A partir daquele encontro inusitado, minha vida mudou literariamente. Busquei ajuda com amigos para reimprimir o livrinho- A FILHA DA FLORESTA, do escritor Thales Castanho de Andrade, meu amigo, por quem tenho uma eterna gratidão, pois despertou-me o desejo de expandir seus ideais de preservação à natureza para as crianças e jovens, através de suas narrativas fantásticas e tão ricas em ensinamentos sobre ecologia, ciência que usou com desenvoltura nos enredos de seus livros:  EL REI DOM SAPO, COLIBRI FEITICEIRO, A FILHA DA FLORESTA e SAUDADES.

A Thales, meu reconhecimento e gratidão.

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